Andanças pelo
Pernambuco
Obra da socióloga deita luzes sobre o período em
que o músico viveu em Recife
Autora também anunciou uma biografia de Sivuca
para 2012, além de um site completo
Ricardo Anísio Especial para A União
A socióloga Fábia Barreto, filha única do músico
paraibano Sivuca, lançou recentemente um livro sobre a atuação do músico
paraibano na cena cultural da cidade de Recife (PE). Sivuca e a Música do
Recife, título da obra, foi escrito por Flávia e por Fernando Gasparini, e
ambos trabalharam arduamente em busca de oferecer aos fãs do multifacetado
artista da Paraíba (nascido na cidade de Itabaiana) um pouco do muito que ele
fez durante a vida.
Em entrevista exclusiva, Flávia fala sobre novos
projetos e diz que muita coisa rara ainda há de emergir dos arquivos que ela
pretende continuar pesquisando. O livro em questão preenche uma lacuna (que,
aliás, existe também em relação à sua discografia) na cena musical brasileira e
mundial; porque, para quem não sabe, o “mago” da sanfona fez história nos
Estados Unidos e em países da Europa. Confiram a seguir a entrevista.
Por que você situou o livro apenas na atuação de
Sivuca no Recife?
O livro Sivuca e a Música do Recife foi a
consequência de um enorme esforço de pesquisa que gerou, sobre a cidade do
Recife, material bastante substancial e que não podia ser desprezado. Em
consequência do estímulo que recebi por parte de Fernando Duarte, atual
secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, e que na ocasião estava à frente
da Fundação de Cultura Cidade do Recife, vinculada à Prefeitura, decidi fazer
uma primeira publicação que tratasse especificamente desta etapa da vida de meu
pai.
Era grande a ligação dele com o Recife...
Pois é. Recife foi a cidade em que Sivuca se
formou, entre as décadas de 40 e 50, e ali alcançou um prodigioso
desenvolvimento do seu talento natural. Uma conjugação de fatores contribuiu
para que isso se desse. Desde o convívio com grandes nomes da cultura musical
brasileira, vinculados a variados gêneros musicais, a inúmeras oportunidades de
tocar com instrumentistas de formação variada, popular ou clássica. Dentre
muitos, todos igualmente relevantes, posso destacar o maestro Guerra-Peixe, que
introduziu o jovem Sivuca nos mistérios da harmonia e da orquestração. O livro
trata especificamente da relação de Sivuca com a cidade do Recife e busca
situar em minúcias as peripécias vividas por ele na juventude, além das
experiências com a Orquestra Sinfônica pernambucana.
Tens algum outro projeto em livro sobre o mestre
Sivuca?
Certamente, o livro Sivuca e a Música do Recife
não abarca toda a trajetória da vida profissional de meu pai. Estou nos últimos
arremates do projeto gráfico do próximo livro, que estará disponível ao público
no início de 2012. Agora sim, virá a biografia completa, disposta em sete
capítulos que tratam com maior abrangência da vida e da obra dele. Anuncio em
primeiríssima mão aos leitores paraibanos o título desta nova obra: Magnífico
Sivuca Maestro da Sanfona. Diferente do primeiro, em que compartilhei a elaboração
com um jornalista, que acompanhou de perto o processo de pesquisa, Magnífico
Sivuca foi exclusivamente escrito por mim. Trata-se de livro direcionado para
um público mais diversificado, com o objetivo de sensibilizar principalmente os
jovens sobre a contribuição de Sivuca para a cultura musical brasileira. Por
isso, o texto está mais acessível, com a preocupação de ter um tom menos
acadêmico do que o primeiro, que foi destinado a um público de apreciadores.
Pretende investir no mercado estrangeiro com esse
livro?
O segundo livro está programado para um processo
de divulgação mais abrangente do que o primeiro. Sivuca e a Música do Recife
trata de um ambiente bem definido e acredito que pode ser considerado como uma
referência para quem quer entender melhor o contexto musical recifense.
Magnífico Sivuca Maestro da Sanfona inclui as experiências de meu pai em vários
países, e com certeza, vai atrair a curiosidade de um público de apreciadores
do trabalho musical de Sivuca, nos Estados Unidos e na Europa. A tradução para
o inglês está avançadíssima e espero que tão logo seja lançado no Brasil, o
mesmo aconteça no exterior.
Tem mais alguma coisa agendada para o exterior?
Além do lançamento do livro para o exterior,
pretendo cumprir uma agenda bem planejada de lançamentos por vários estados
brasileiros. Isso inclui a Paraíba e demais estados do Nordeste, locais em que
devo estar ainda no primeiro semestre de 2012. Temos organizado um circuito de
eventos institucionais, além de universidades e livrarias.
Você tem planos de investir na fase musical de
Sivuca na Paraíba?
Sua pergunta contém uma boa sugestão. Porém, por
enquanto, precisarei de algum tempo para divulgar os dois livros que já estão
prontos até começar a abranger outro viés do percurso de Sivuca. Provavelmente,
o terceiro passo na produção literária será cuidar da publicação de A Bossa
Nova de Sivuca, um trabalho de minha autoria, que mereceu o prêmio Crítica
Musical da Funarte, em 2008.
Você organizou algum site com a obra de seu pai?
Está em processamento um novo site para a
divulgação a todo o público de estudiosos, pesquisadores e jornalistas, em que
estará disponibilizado em boa parte, o material levantado pela pesquisa. Será
indiscutivelmente o site mais completo sobre Sivuca. Ele só será disponibilizado
ao público após o primeiro evento de lançamento do livro, que deverá acontecer
no Rio de Janeiro. Está citado nas notas do livro como sugestão de consulta aos
leitores que desejarem maiores esclarecimentos, além daqueles que estão
contidos no texto. Sabemos que para contar uma história biográfica nem sempre
podemos soterrar o leitor em uma narrativa tediosa, que acumula informações e
perde de vista a dinâmica e a emoção dos acontecimentos. Especificamente para o
jovem leitor, a narrativa precisa acontecer com bastante leveza. Assim, os
dados informativos foram entendidos como complemento e estarão disponíveis no
novo site.
Ainda existem discos lançados no exterior que não
foram lançados aqui. Você pretende ir atrás dessas obras?
É verdade. A maior parte da discografia de Sivuca
não foi lançada no Brasil. Ele teve discos gravados em Portugal, França,
Suécia, Estados Unidos e Japão. Por esse motivo, ele possui muitos fãs no
exterior. Já fui atrás dessas obras e elas estão catalogadas e digitalizadas em
um acervo completo sobre a discografia de Sivuca. O acervo organizado por mim
contém, inclusive, todas as gravações de Sivuca em 78 rotações. Este material é
muito rico e foi analisado em minúcias na biografia. Segui uma perspectiva
cronológica, como embasamento para a reflexão em torno da vida e da obra de
nosso querido sanfoneiro.
O que você encontrou de raridade?
A parte mais impactante do levantamento da
discografia de Sivuca são as participações dele em discos de outros artistas. A
quantidade de títulos é extraordinária e os gêneros musicais são os mais
diferentes. Encontramos Sivuca em discos que vão desde o pop rock brasileiro e
internacional, até exercícios de piano a quatro mãos. O público leitor da
biografia Magnífico Sivuca Maestro da Sanfona irá se surpreender com a
amplitude da revelação de um Sivuca que já havia sido consagrado nacionalmente
como maestro, em 1948.
Dos discos de Sivuca quais deles os direitos lhe
pertencem? Quem detém os direitos sobre a discografia de Sivuca?
É interessante a sua pergunta e bastante atual. Os
discos são propriedade de várias gravadoras e compõem os acervos destas
companhias. Quando uma gravadora nacional é comprada por outra multinacional,
os acervos são transferidos. Algo semelhante à condição do escritor que entrega
suas obras às editoras e perde o controle sobre elas. Se não houver o interesse
ou mobilização por parte das gravadoras para reeditar os antigos títulos, os
fonogramas ficam perdidos em depósitos.
Quais as dificuldades para reeditar os discos?
O problema atual é que o mundo digital abriu
inúmeras possibilidades de acesso a gravações que até então, poderíamos dizer
que estavam perdidas. A facilidade de acesso a toda uma sorte diversificada de
gravações está impondo uma mudança substancial no universo da venda de discos.
Ainda veremos o aprofundamento de tantas mudanças. Por causa dessa realidade em
metamorfose, por exemplo, o Ministério da Cultura está convocando a sociedade a
participar da discussão sobre a reestruturação da legislação dos direitos
autorais. Assim, a venda de discos e a sobrevivência das gravadoras são parte
deste universo em metamorfose.
E discos novos? O público pode aguardar novidades?
Estou certa de que todo o trabalho que desenvolvo
desde 2006, para manter viva a memória de meu pai, vem contribuindo para
motivar o público em busca dos discos de Sivuca. Esse movimento gera uma
demanda, que pode vir a sensibilizar as gravadoras para reeditar os discos que
muitos aguardam. O compromisso com a preservação do patrimônio cultural musical
brasileiro movimenta meu trabalho e me motivam a perseverar, para que o público
brasileiro tenha franqueado o acesso a uma obra de grande valor, como o legado
de Sivuca. Devido ao exercício de minha profissão como socióloga, entendo que
este compromisso é permanente. No meu caso, experimento uma motivação dupla,
por conta da minha condição de filha única. É impossível deixar cair no
esquecimento, com o passar dos anos, a memória do meu pai. Ele pode sobreviver
na lembrança de muitos por algum tempo, porém é fundamental disputar um espaço
no gosto da juventude. E isso só acontece com muito trabalho.
Nota do editor do blog: Ricardo Anísio nos brinda
com esta rica entrevista exclusiva. Parabéns à socióloga Flávia Barreto, pelos
livros, pelos projetos em torno da vida e obra de seu pai Sivuca.