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Editada há dois anos, a Lei nº 12.019/2009, que permitiu aos ministros delegar poderes instrutórios nos processos penais de competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF), está surtindo os primeiros efeitos no que se refere ao tempo de tramitação dessas ações. Atualmente, oito magistrados cumprem essa tarefa em gabinetes do STF, imprimindo maior rapidez à fase processual em que são reunidas provas e depoimentos.
A medida é uma inovação no sistema legal brasileiro e foi editada no âmbito do II Pacto Republicano, permitindo ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça convocar “magistrados instrutores” para fazer um trabalho que antes era conduzido por meio das chamadas “cartas de ordem”, nas quais os ministros relatores determinavam a juízes de todo o País que fizessem a coleta de provas nas comarcas onde residem testemunhas ou réus. Agora, é o magistrado instrutor quem faz esse trabalho, com a necessária observância do devido processo legal.
Proximidade
Além de dar agilidade à coleta de provas, há um ganho de qualidade, na medida em que o magistrado instrutor passa ao ministro relator observações relevantes obtidas durante os depoimentos. “Além do ganho de tempo, a realização de tais atos pelo magistrado instrutor permite ao ministro do STF ter mais proximidade com a causa, por meio de uma pessoa de sua inteira confiança. O ministro deixa de receber apenas papel. Para mim, está sendo uma experiência fantástica e espero que mais colegas tenham esta oportunidade”.
Esta semana, o juiz titular da 2ª Vara Federal de São Carlos (SP), que atua como magistrado instrutor do STF desde 30 de abril de 2010, concluirá a instrução da AP 558 em apenas sete meses, período em que tomou inúmeros depoimentos. “É um dado muito bom, que demonstra o acerto na criação da figura do juiz instrutor. Em breve, pretendo terminar a instrução probatória na AP 603, com estimativa de duração de quatro meses. São resultados expressivos”, avalia o magistrado instrutor.
O trabalho de Saliba está permitindo ainda que os pedidos de extradição sejam incluídos na pauta de julgamento em média seis meses após a efetivação da prisão preventiva do extraditando. O trabalho externo nas atividades de instrução geralmente é associado a atividades nos gabinetes, em que os magistrados instrutores supervisionam a equipe de assessores da área penal.
Embora a Lei nº 12.019/2009 faça referência expressa a ações penais de competência originária, uma interpretação do próprio STF tem permitido aos magistrados instrutores atuar também nas extradições. Atualmente há 51 extradições em tramitação na Corte. Nos inquéritos, a instrução é feita pela Polícia Federal, por ordem do ministro relator. O magistrado instrutor deve, necessariamente, ser da área penal – desembargador de turma criminal ou juiz de vara criminal, das Justiças Estadual ou Federal. Sua convocação tem prazo de seis meses, prorrogável por igual período, até o limite de dois anos.
Emenda Regimental
De acordo com a Emenda Regimental 36/2009, que regulamentou a aplicação da Lei nº 12.019/2009 no STF, o magistrado instrutor pode designar e realizar as audiências de interrogatório e inquirição de testemunhas; requisitar testemunhas e determinar condução coercitiva, caso necessário; determinar intimações e notificações; decidir questões incidentes durante a realização dos atos sob sua responsabilidade; requisitar documentos ou informações existentes em bancos de dados; fixar ou prorrogar prazos para a prática de atos durante a instrução; realizar inspeções judiciais. Se necessário, pode requisitar, junto aos órgãos locais do Poder Judiciário, o apoio de pessoal, equipamentos e instalações adequados para os atos processuais que devam ser produzidos fora da sede do STF.
De acordo com o artigo 102 da Constituição (alíneas b e c), apenas pessoas com prerrogativa de foro podem ser processadas criminalmente no Supremo. Atualmente, tramitam no STF 381 inquéritos e 133 ações penais, nos quais autoridades como deputados federais, senadores e ministros de Estado, entre outras, são investigadas e processadas pelos mais diversos crimes.
Os crimes eleitorais são os mais comuns nos inquéritos e nas ações penais, seguidos de crimes de responsabilidade, supostamente cometidos quando a autoridade atuou como prefeito municipal, crimes previstos na Lei de Licitações (lei nº 8.666/93), crimes contra a ordem tributária e crimes contra a administração pública, como peculato.
Nova legislatura
Quando a instrução criminal supera o prazo do mandato eletivo, há devolução da ação penal à instância de origem, caso o parlamentar não seja reeleito ou não seja investido em outro cargo público detentor de prerrogativa de foro no STF.
“O começo das atividades dos magistrados instrutores coincidiu com a aproximação do encerramento dos mandatos parlamentares. Por isso, em muitos casos, não houve tempo hábil para a finalização das instruções criminais, de modo a permitir que os julgamentos ocorressem antes do término da legislatura. Quadro esse que muda a partir de 2011, com o início da atual legislatura”, explica o juiz João Carlos.
Foram da relatoria do ministro Ayres Britto duas das condenações em ações penais mais recentes contra parlamentares no STF, a partir da Constituição de 1988. Uma delas (AP 409) ocorreu em 13 de maio de 2010, quando o deputado federal José Gerardo (PMDB-CE) foi condenado por crime de responsabilidade, cometido quando era prefeito de Caucaia (CE).
Outra condenação, esta com aplicação de pena privativa de liberdade, foi contra o deputado federal José Tatico (PTB-GO), por crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária em um curtume de sua propriedade. Em 27 de setembro de 2010, o STF aplicou-lhe pena de sete anos de prisão em regime semiaberto e 60 dias-multa pelos delitos.
Nesta Ação Penal (AP 516), o juiz federal João Carlos já atuava como magistrado instrutor no gabinete do ministro Ayres Britto, onde há atualmente 19 ações penais, 33 inquéritos e duas extradições. “Os críticos da prerrogativa de foro costumavam dizer que as ações penais tinham tramitação demorada no STF, mas, com as primeiras condenações, essa percepção está mudando”, avalia o magistrado instrutor.
Renúncia
Antes da Lei nº 12.019/2009, o julgamento de ações penais contra parlamentares já havia recebido um impulso com a Emenda Constitucional (EC) nº 35/2001, que atribuiu ao STF poderes para processá-los sem prévio consentimento da Câmara ou do Senado. Recentemente, no julgamento de questão de ordem suscitada na AP 396, a Corte entendeu que a renúncia do parlamentar na véspera do julgamento da ação penal não afasta a competência do Supremo.
O ex-deputado Natan Donadon (PMDB-RO), acusado de formação de quadrilha e peculato, renunciou ao mandato na véspera do julgamento e pediu a transferência do processo para a Justiça de primeiro grau. Por maioria de votos, os ministros consideraram que a manobra foi um abuso e uma tentativa de fraudar a aplicação da lei.
Precursor
Analisando o andamento processual, ele verificou que as ações penais demoravam, em média, de três a quatro anos para serem instruídas. Trabalhando atualmente como magistrado instrutor do gabinete do ministro Gilmar Mendes, o juiz Ney Bello concluiu a instrução da AP 556 em apenas 45 dias. Tomou 16 depoimentos em seis lugares diferentes da Região Sul. Segundo ele, este foi um caso excepcional, em que tudo deu certo, mas a média de conclusão das instruções tem sido de três meses.
“A Lei nº 12.019/2009 permitiu um avanço muito grande ao trazer juízes das instâncias ordinárias para fazer o trabalho de instrução. O STF é uma Corte Constitucional, mas tem esta competência sui generis de analisar e julgar os processos criminais contra aqueles que detêm prerrogativa de foro. Este auxílio tem sido bom para o STF e para nós, juízes, que temos a oportunidade de ver o Poder Judiciário sob um novo ângulo”, afirmou.
O juiz Ney Bello foi o responsável por toda a instrução da AP 452 contra o deputado federal Neudo Campos (PP-RR), que renunciou ao mandato quando o magistrado se preparava para ouvir 51 testemunhas em Boa Vista.
Ao comunicar sua renúncia ao STF, a defesa de Neudo Campos requereu o cancelamento de todas as audiências. O ministro Gilmar Mendes declinou da competência em favor da Seção Judiciária de Roraima, mas determinou a imediata carga dos autos ao juiz federal de Roraima para que ele aproveitasse os atos preparatórios e realizasse a tomada de depoimentos das 51 testemunhas que seriam ouvidas por Ney Bello.
O ministro Gilmar Mendes considerou que as designações e intimações continuavam válidas e afirmou que a condução das audiências pelo juiz federal de primeira instância não traria nenhum prejuízo, nem à defesa nem à acusação.
Evitando a prescrição
“Estamos conseguindo avançar com rapidez no que diz respeito a prazos, evitando que venha a ocorrer prescrição nos processos. A orientação do ministro Dias Toffoli é esquecermos que existe a palavra ‘prescrição’. Se a ação penal foi instaurada, ela tem que chegar ao final, seja com um decreto de procedência, seja com um decreto de absolvição. É preciso dar uma resposta, para o próprio réu e também para sociedade, para que todos saibam que a questão foi analisada em seu mérito pelo Supremo”, enfatiza.
Paralelamente à instrução das ações penais de competência originária, Adamek auxilia o trabalho na área penal do gabinete. Ele explica que a instrução das extradições é a mais rápida, já que consiste basicamente na oitiva do estrangeiro. Por isso, as extradições de relatoria do ministro Dias Toffoli têm sido liberadas para julgamento de três a quatro meses após a efetivação da prisão do extraditando, sendo que o interrogatório costuma ocorrer poucos dias após a detenção.
Adamek iniciou sua convocação como magistrado instrutor em maio de 2010 e revela que o trabalho está lhe permitindo ter uma visão mais ampla da Justiça brasileira, tanto na área federal como na estadual. “A amplitude de matérias nas ações de competência originária e também na parte criminal do gabinete, com os habeas corpus, as reclamações etc., permite ao magistrado instrutor ter uma visão mais ampla do Direito Penal no nível constitucional. Quando atuamos na Vara, nosso foco está nos fatos e nas provas. Aqui, acontece o inverso, já que não se examina o quadro fático, mas sim os aspectos legal e constitucional da causa”, afirma.
Foco
Depois de atuar dois anos como magistrado auxiliar no gabinete do ministro Lewandowski, Marcelo Guerra foi designado magistrado instrutor em fevereiro deste ano, onde é diretamente responsável por 11 ações penais, 36 inquéritos e quatro extradições. O juiz federal também auxilia o trabalho da equipe penal do gabinete nos demais processos. Para ele, embora a Lei nº 12.019/2009 já tenha surtido os primeiros efeitos em função do trabalho dos magistrados instrutores nomeados no início de 2010, seu real impacto será evidente ao final da legislatura iniciada em 2011.
“Quando uma legislatura chega ao fim, as ações penais envolvendo deputados ou senadores que não se reelegeram são devolvidas às instâncias ordinárias. Por isso, aqui no gabinete, algumas ações que estavam no meio da instrução foram deslocadas. Ao mesmo tempo, recebemos ações novas, algumas já vieram instruídas. Naquilo que já está pronto não se mexe. Com base nessa dinâmica, posso dizer que daqui a quatro anos será possível fazermos uma análise muito mais precisa dos efeitos da Lei nº 12.019/2009”, enfatiza.
Verdade material
“O magistrado instrutor conhece todo o processo, ao contrário do juiz que recebe uma designação por meio de ‘carta de ordem’ para atuar pontualmente. Há coisas que só se apreende com a proximidade dos fatos e no local, é o que chamamos de ‘verdade material’”, afirma Valter Araújo.
Para ele, a delegação de atos instrutórios tem se mostrado tão positiva que deveria ser estendida aos processos da área cível. “A dificuldade na instrução também se verifica na área cível, como nas ações em que se discute demarcação de território entre estados, por exemplo”, afirma.
O magistrado lembra que, antes do julgamento em que o STF decidiu que a terra indígena Raposa Serra do Sol teria demarcação contínua e deveria ser desocupada pelos produtores rurais (Petição 3388), alguns ministros, dentre eles o relator, Ayres Britto, visitaram a reserva. “O caso da reserva Raposa Serra do Sol é o mais famoso, mas há vários processos que demandam instrução mais qualificada”, defende.
Apesar do pouco tempo de atuação, o juiz considera que a oportunidade de participar do dia a dia da cúpula do Poder Judiciário é "uma experiência singular, na medida em que lhe permite acompanhar de perto as discussões mais importantes do País”.
Magistrados instrutores que atuam no STF:
Valter Shuenquener de Araújo – Min. Luiz Fux
Fonte: Defensoria Pública Da Paraíba.
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