A atual crise na segurança pública no Brasil, com greves na Bahia e no Rio de Janeiro, pressões pela aprovação da chamada PEC 300, que fixa um piso salarial nacional para policiais e bombeiros, bem como relatos de ações policiais violentas em vários estados, retoma com muita força o debate sobre a completa falência do nosso sistema de segurança pública.
O Brasil gastou em 2010, último dado disponível, aproximadamente R$ 50 bilhões apenas com segurança pública. Esse valor significa algo como 1,4% do nosso PIB e quase 9% do total de impostos arrecadados por municípios, estados, Distrito Federal e União.
Ou seja, nosso sistema é caro, ineficiente, capacita e paga mal aos profissionais encarregados de manter a ordem democrática e de garantir direitos da população. Convivemos com taxas altas de criminalidade, excesso de burocracia e não conseguimos oferecer serviços de qualidade ou reduzir a insegurança.
Nesse cenário, é mais do que legítimo que policiais brasileiros reivindiquem melhores condições de vida e de trabalho. Também é verdade quando os governadores dizem que não há recursos disponíveis para aumentos significativos de salários e, se aprovada a PEC 300, os estados entrariam numa situação de colapso das suas finanças públicas.
Vale frisar, porém, que a legitimidade do pleito dos policiais não pode ser entendida como liberdade para subverter direitos, ocupar prédios públicos, bloquear estradas e usar da força como instrumento de pressão. Estamos num Estado Democrático de Direito, cujas regras precisam ser respeitadas. Do contrário, o recado passado para a população é que, em alguns casos, a democracia pode ser desconsiderada em nome de interesses particulares.
E isso não pode ocorrer! O Brasil ainda tem em sua memória recente o trauma dos regimes autoritários do século 20, quando interesses particulares se sobrepuseram aos interesses da sociedade. Cabe aos policiais o desafio da originalidade sobre como manter vivo o pleito legítimo por melhores salários sem o recurso a atos ilegítimos.
Todavia, o encaminhamento de uma solução definitiva tem de passar pela atuação articulada dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, seja no âmbito da União, seja no estadual.
O governo federal pode muito, mas sozinho não conseguirá articular ações efetivas. União e governadores precisam liderar uma agenda que decida enfrentar, de fato, a urgência de uma ampla revisão de normas, processos e leis anacrônicas que regulam essa área no Brasil.
Agenda que precisa passar pelo Congresso brasileiro, que deveria atuar coordenado e evitar a chamada “legislação do pânico”, que só torna complexo e oneroso o quadro normativo da segurança pública no país.
Num exemplo de baixa coordenação e prioridade política para o tema, faz 25 anos, desde a promulgação da Constituição de 1988, que não conseguimos regulamentar o parágrafo 7.º, do artigo 144, que trata das instituições que podem fazer segurança pública.
Sem essa regulamentação, mantemos um quadro de disputas de competência, duplicidade de funções e efetivos mal- alocados. Não será surpresa, portanto, se o debate sobre melhores salários ficar restrito à conquista de gratificações e benefícios transitórios.
O problema é que estamos falando de mais de 600 mil homens e mulheres autorizados a portar armas e que, diariamente, enfrentam situações de crime e violência sem o suficiente respaldo institucional.
O Congresso não nos disse o que devem fazer as polícias brasileiras. Falta-nos um projeto político que seja capaz de superar os corporativismos e pensar na polícia que o Brasil, moderno e democrático, precisa. Sem isso, iremos administrar a situação até a próxima crise, que com certeza virá maior e mais aguda.
Nosso drama é que, no pragmatismo da política, fica em aberto a pergunta sobre quem terá a disposição e a coragem política de liderar um vigoroso processo de reformas após a fase aguda da crise passar.
Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e editor da Revista Brasileira de Segurança Pública, é doutor em Sociologia e pós-doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp.
Nenhum comentário:
Postar um comentário