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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É uma vida de cão, e é boa


Os cães sabem apreciar os prazeres simples da vida, quer estes sejam fuçar no lixo, rolar em algas marinhas em decomposição ou farejar os traseiros uns dos outros. 

Como mestres Zen de quatro patas, eles captam a importância de viver o aqui e agora. Além de serem fiéis e protetores, têm muito a ensinar aos humanos.

Ou teriam, isto é, se seus donos deixassem de lhes impor programações tão antropomorfizadas e lhes permitissem ser simplesmente cachorros. Não que os cachorros estejam recla-mando. Sob muitos aspectos, eles nunca foram tão mimados.

O setor da economia voltado aos bichos de estimação movimentou US$55 bilhões no ano passado apenas nos EUA, apesar da economia abalada que vem levando ao aumento dos casos de abandono de animais.

Para os cães de sorte que ainda têm casa, informou o “New York Times”, as mordomias podem incluir casacos de chuva próprios para um desfile de moda; refeições gourmet à base de faisão ou pato; quitutes orgânicos à base de abóbora ou leite de iaque; antidepressivos, consultas com quiromantes e convênio médico.

Os cachorros que têm problemas de flatulência podem beneficiar-se da vela de aromaterapia “Fart & Away”, que custa US$28.

E os machos castrados talvez ganhem um par de “Neuticals” (US$1.000 cada) —próteses testiculares criados para ajudar “seu animal de estimação a conservar seu visual natural e auto-estima”.

Se isso soa como obra de um bando de americanos insanos, considere o caso da China. Duas décadas atrás, os cachorros eram consumidos como alimentos; mantê-los como animais de estimação era proibido.

Hoje eles recebem tratamento de pequenos imperadores. O NYT relatou que há em Pequim lojas de quitutes, redes sociais e piscinas específicas para cães. 

Um mastim tibetano foi arrematado por US$600 mil e escoltado para seu novo lar em Xi’an num comboio de 30 Mercedes. Em meio a tanta paparicação, o antes humilde cão não corre o risco de tornar-se arrogante como um gato? Jill Abramson, editora executiva do “NYT”, escreve em “The Puppy Diaries” (diários do filhote) que foi humilhada por um “golden retriever” chamado Scout que devorou os óculos de seu marido, atacou uma mesa ao ar livre em um café sofisticado de Manhattan e pôs sua casa pacífica de pernas para o ar.

Um programa de televisão, “The Dog Whisperer” (O encantador de cães), trata de como reeducar animais bagunceiros. Outro, “Bad Dog!” (Cachorro Mau), destaca cachorros comicamente criminosos.

Tudo isso pode estar relacionado à trajetória seguida pelos animais de estimação, de ajudantes apreciados a figuras auxiliares emocionais poderosas, como escreveu Benedict Carey no NYT.

A psicóloga Froma Walsh, da Universidade de Chicago, disse a Carey que muitos cachorros são tratados como crianças.“Do mesmo modo como crianças acabam sendo envolvidas no sistema familiar e usadas como pacificadoras, intermediárias ou fontes de desavença, a mesma coisa acontece com animais”.

Quer nós os enxerguemos como bichos de estimação, protetores ou substitutos de filhos, é difícil deixar de amar os cachorros. Mas faríamos bem em dar ouvidos ao conselho da atriz americana Martha Scott: “Não cometa o erro de tratar seus cachorros como humanos, senão eles o tratarão como cachorro”.


Edinho Trajano, com KEVIN DELANEY – The New York Times

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