Um cenário eleitoral pessimista, com captação de recursos ilícitos, eleitores complacentes, tribunais benevolentes e um sistema lento. Diante disso, o financiamento público de campanha seria uma alternativa para reavivar a justiça na escolha dos nossos gestores. Quem aponta é o procurador Alessander Sales.
“O sistema eleitoral é como um doente terminal. É um indutor de corrupção. Temos que ter alternativas para tentar salvá-lo”. Um remédio? Financiamento público de campanha, que, ainda assim, não oferece garantias de que operações com caixas dois se extingam. Esse cenário da política brasileira é apontado pelo procurador da República Alessander Sales. Ele foi o convidado de ontem da 6ª edição do programa O POVO Quer Saber, transmitido pela TV O POVO, Rádio O POVO/CBN e Portal O POVO Online.
Discutindo o tema “Dinheiro público e reforma política”, Sales argumenta que as atuais regras de captação de recursos para campanhas políticas não abrem caminho para o controle público e compromete o princípio de igualdade de condições entre os candidatos. Para amenizar o problema, ele defende a aprovação do financiamento público de campanha como um dos principais recursos para recuperar a equidade na escolha de nossos representantes.
“Está ficando cada vez mais caro se conseguir um mandato no Brasil”, afirma. “Enquanto houver exclusividade ou prevalência dos recursos privados, aqueles que têm mais acesso a esse dinheiro terão mais possibilidade de se eleger. Há uma relação direta entre poder financeiro e sucesso eleitoral”, aponta.
Segundo o procurador, são três grandes problemas que emperram o sistema eleitoral brasileiro: o primeiro seria a postura do próprio eleitor, que promoveria atos de ilegalidade juntamente com gestores e candidatos; o segundo seria a estrutura partidária, cuja finalidade seria unicamente chegar ao poder; já o terceiro seria um sistema jurisdicional ineficaz, passando por um Ministério Público que deixaria “a desejar”, tribunais eleitorais pouco efetivos e uma sociedade que não se engajaria no processo, que não acompanha nem faz críticas.
Combate às ilicitudes
Além disso, Alessander observa um sistema eleitoral “tímido” na proibição de condutas ilícitas. “E o sistema de prestação de contas piorou. É meramente formal e incapaz de identificar a captação ilícita. Não há interesse”, afirma. Sales entende que a mudança nas regras do financiamento público de campanha teria de vir acompanhada de uma reforma na estrutura do sistema eleitoral e de transformação no trabalho dos tribunais. “O legislador repassa a responsabilidade para a jurisdição eleitoral. E não há vontade dos tribunais de alterar esse panorama. Eles têm de ser mais incisivos – quando querem”, enfatizou.
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Outros temas debatidos
Seletividade dos tribunais
E um aumento do volume de prefeitos afastados ou cassados no Ceará? Esse seria um avanço no nosso sistema eleitoral? Para o procurador da República Alessander Sales, nem tanto. Ele atribui outro ponto negativo a tantos casos de gestores investigados atualmente: uma seletividade.
“Se fizermos uma análise mais detida e verificarmos quando, onde e porquê isso está acontecendo, veremos que, quando a Justiça Eleitoral quer, ela faz”, disse. “É preciso ter muito cuidado. O ingrediente político é muito forte”, observou o procurador. “Um município com menos força econômica e política tem a possibilidade maior de um julgamento mais isento”, complementou.
Celeridade
Sales indica, ainda, que uma demora nos julgamentos dos gestores públicos ocasionaria instabilidade no desenrolar das atividades políticas no Brasil. “Condenar um prefeito que cumpriu três anos de mandato, fazer eleição suplementar a um ano das próximas eleições causam uma instabilidade muito grande. O ideal é julgar em até um ano. Hoje ainda existem conflitos das eleições de 2008, o que não poderia acontecer”, ressaltou.
Participação do eleitor
Diante tal conjuntura, o procurador se mostrou pessimista quanto à participação do eleitor no acompanhamento das condutas dos candidatos e gestores públicos. “Quando cheguei ao Ministério Público, achei que poderia fazer um trabalho conjunto com o eleitor, mas não foi isso que eu vi. Primeiro porque ele tem necessidades que contribuem para condutas de ilegalidades”, disse.
Participando de ações ilícitas, segundo ele, o eleitor não repassaria seus conhecimentos aos tribunais em, quando do contrário, os próprios tribunais seriam benevolentes. “O sistema é precário. A Justiça Eleitoral no Brasil criou várias perspectivas de atuação que são falsas. Ela não é célere, por exemplo. Um conflito lá demora cinco, seis anos para ser resolvido, mas um mandato dura somente quatro anos”, destacou.
Reeleição consolidada
O direito à reeleição, entende Sales, já seria um pressuposto consolidado, mas precisaria de aperfeiçoamento. Para ele, é um mecanismo que ainda gera abertura para abuso de poder. “Buscar uma eleição concomitantemente com a manutenção de um cargo público é um facilitador. A máquina pública é tão grande que não há instrumento de controle suficiente para fiscalizar tudo”, disse.
Ele aponta que, mesmo que um gestor encaminhe a gestão para seu vice, a máquina administrativa ainda pode trabalhar por sua campanha, gerando, mais uma vez, desigualdade de condições entre os candidatos, tanto para cargos no Executivo quando no Legislativo.
Os entrevistadores
Erick Guimarães, diretor-adjunto de Redação do O POVO
Guálter George, editor-executivo do Núcleo de Conjutura do O POVO
Ítalo Coriolano, editor-adjunto no Núcleo de Conjutura do O POVO
Helaine Oliveira, editora-adjunta do Núcleo de Negócios do O POVO
Edinho Trajano, com Marcela Belchior
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