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quarta-feira, 29 de junho de 2011


Afinal, quem é Dilma Rousseff?

Aos seis meses de governo, presidente muda de opinião em temas que lhe eram caros e aprende na prática a encarar realismo político

Dilma Rousseff: em nome da governabilidade, convicções são deixadas de lado
Dilma Rousseff: em nome da governabilidade, convicções são deixadas de lado.
Roberto Romano, filósofo: "Para sobreviver com poder, o político faz o que for preciso"
O cabelo continua o mesmo, mas as ideias, quanta diferença. Dilma Rousseff mudou. Aos seis meses de governo, a presidente aprende na prática o significado do realismo político: fazer o que tem de ser feito, mesmo que vá contra seus princípios. E até contra os interesses nacionais. Dilma cedeu em questões que lhe eram caras em nome da governabilidade, mas também em função da pressão de aliados pouco democratas.
Presa durante a ditadura militar e defensora da revisão da Lei da Anistia, Dilma agora descarta alterações na legislação. A lei, aprovada em 1979 para acelerar o processo de redemocratização do Brasil, isenta de punição crimes políticos cometidos durante o regime militar. Antes de engavetar a mudança da lei, Dilma considerava esses crimes "imprescritíveis".
Da mesma forma, ela acaba de anunciar que concederá à iniciativa privada os aeroportos brasileiros. Uma boa decisão, mas nada coerente com a demonização das privatizações feita pelo PT. Nas eleições de 2010, Dilma colou no adversário José Serra, do PSDB, a pecha de privatista. E jurou proteger o patrimônio nacional. À época, ela defendia a abertura de capital da Infraero como solução para as carências de infraestrutura aeroportuária. Notou agora que o poder público não tem recursos nem competência para tanto.
Mas o maior exemplo do comportamento ioiô de Dilma foi a mudança de opinião sobre o sigilo dos documentos de governo considerados ultrassecretos. Em dois meses ela se posicionou contra o sigilo eterno, depois a favor do sigilo eterno e, finalmente, contra o sigilo eterno de novo. A conferir até quando mantém a opinião. Pesou para a hesitação da presidente a pressão dos senadores José Sarney (PMDB) e Fernando Collor (PTB) – ex-presidentes de passado pouco abonador.
Falta de prática - As incertezas de Dilma nesse primeiro semestre de governo são explicadas em detalhes no quadro abaixo. A presidente começa a entrar no jogo da sobrevivência política. É, no entanto, inábil e inexperiente nesta seara e terá de aprender a duras penas, pois tanta mudança de opinião sem explicações passa por falta de opinião. "Para sobreviver com poder, o político faz o que for preciso", diz o filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Se amigos, aliados ou mesmo ideias atrapalharem os planos do político, ele simplesmente afasta-se delas." 
E Dilma sofre para se adaptar a essa realidade. "Ela está aprendendo da forma mais lamentável possível. É triste ver uma pessoa, por necessidade política, abrir mão dos princípios que nortearam toda sua vida", diz Romano.  No modelo brasileiro, a função de presidente exige alguém que seja, ao mesmo tempo, um chefe de estado e um chefe de governo. "Temos um presidencialismo imperial", diz o professor. Fernando Henrique desempenhou bem as duas tarefas. Luiz Inácio Lula da Silva foi mais chefe de governo do que de estado. E Dilma não consegue extrapolar a função de chefe de estado para ter uma atuação política, como chefe de governo.
A falta de traquejo dificulta a negociação do governo com o Congresso e o encaminhamento das propostas de interesse da nação. Em última instância, prejudica a execução dos programas de governo e, assim, prejudica o Brasil. Sem o articulador Antonio Palocci na Casa Civil, a tarefa fica ainda mais difícil. Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti trazem consigo a fama de intransigentes – a característica menos desejável em um negociador. 
Questão de perfil – Formada em Economia e ex-militante do movimento estudantil, Dilma difere em gênero e grau do antecessor, Lula – caso clássico do desapego ideológico. "Lula não tem nenhum compromisso com doutrina ou ideologia", afirma romano. "Ela tem. Por isso, é muito mais notória nela essa mudança de opinião. É difícil para ela encarar o realismo político."
Enquanto Dilma construiu uma carreira em cargos técnicos e auxiliares do Executivo, Lula passou a vida em barganhas e disputas, desde que começou a militar no movimento sindical, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. E traquejo político se aprende com o tempo. Resta saber quanto tempo Dilma levará para mostrar-se de verdade aos brasileiros. 
Veja abaixo o que pensava e o que pensa Dilma Rousseff:

A cabeça da presidente

Ao longo destes primeiros seis meses de governo, Dilma Rousseff mudou de ideia a respeito de temas que lhe eram caros. Confira cinco pontos de honra que foram por água abaixo. Resta uma dúvida: o que virá pela frente nos próximos dois anos e meio de governo.   
1-Sigilo de documentos do governo



DILMA ONTEM: Primeiro contra o sigilo eterno, depois a favor

DILMA HOJE: Contra o sigilo eterno
O projeto da Lei de Acesso à Informação determina critérios para tornar públicos documentos do governo. A proposta aprovada na Câmara dos Deputados diz que os papeis considerados ultrassecretos poderão ficar em sigilo por, no máximo, 50 anos – 25 anos prorrogáveis por igual período. A proposta será agora votada no Senado e passará pela sanção da presidente.
Atualmente, os documentos sigilosos recebem um grau de classificação, determinado pelo órgão que o produziu. Os ultrassecretos ficam em sigilo por 30 anos, prazo que pode ser renovado indefinidamente. A lei termina com essa possibilidade de sigilo, na prática, eterno.

Em abril, Dilma determinou o fim desse tipo de sigilo. Orientou a base do governo a acelerar no Senado a aprovação do projeto de lei. Em junho, pressionada pelos senadores aliados José Sarney (PMDB) e Fernando Collor (PTB), recuou. Porta-voz da presidente no Congresso, a ministra Ideli Salvatti, deixou claro: o Planalto exigia manter o sigilo eterno dos documentos ultrassecretos.
Nessa semana, no entanto, mudou, mais uma vez, de ideia. Ministros e assessores especiais da Presidência a convenceram de que eventuais mudanças no projeto feitas pelo Senado não vingariam, pois a proposta voltaria para a Câmara e seriam derrubadas. Seria, pois, um desgaste infrutífero. Os ministros da Defesa e das Relações Exteriores disseram à presidente que não havia risco diplomático em divulgar os arquivos do governo. E Dilma mandou avisar, por Ideli, que aceitará a decisão do Senado, seja ela qual for.


2-Revisão da Lei da Anistia




DILMA ONTEM: A favor da revisão da lei
DILMA HOJE: Contra a revisão da lei
A Lei da Anistia foi aprovada em 1979 para acelerar o processo de redemocratização do Brasil e confirmada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ela isenta de punição crimes políticos cometidosdurante o regime militar.
Quando ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma defendia uma revisão da lei, para tornar possível punir quem cometeu crimes durante a ditadura. Na visão de Dilma, os delitos daquela época eram “imprescritíveis”.
Em 2010, a Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas entre 1972 e 1974, durante a Guerrilha do Araguaia. O órgão internacional exigia a punição dos militares envolvidos no episódio, o que vai contra a Lei da Anistia.
Assim, já presidente, Dilma teve de lidar com o tema. E mudou de ideia. Em 16 de junho de 2010, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reafirmou em parecer a decisão do Supremo de manter a Lei da Anistia. Em nome da presidente, Adams recomendou que a solicitação da OEA fosse rejeitada, pondo um ponto final no assunto.

3-Transparência nas obras para a Copa





DILMA ONTEM: A favor da divulgação de todos os dados
DILMA HOJE: A favor do segredo sobre o orçamento das obras

O Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 com o compromisso de divulgar cada centavo gasto com a organização e execução das obras para o evento. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que as informações estariam disponíveis na internet para quem quisesse ver. Dilma manteve a promessa do antecessor. Só a promessa.
Em 2010, com os preparativos atrasados, o governo enviou ao Congresso a proposta de criação do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que flexibiliza as regras para licitação de projetos. O projeto foi aprovado na Câmara, enxertado na Medida Provisória 527.

A maior controvérsia gira em torno da falta de transparência no novo regime. Ele institui segredo sobre o orçamento da licitação até a abertura das propostas. Em tese, as empresas proporiam preços menores. Na prática, não há como controlar o vazamento de informações, uma porta aberta para irregularidades. Além disso, o projeto prevê sigilo em licitações onde há risco à segurança do estado, algo aleatório, aplicável ao que o poder público bem entender.
O governo tentou ainda esconder os gastos com as obras e comunicou ao Tribunal de Contas da União que deixaria de atualizar o portal da transparência da Copa. Pressionada pela opinião pública, Dilma voltou atrás e determinou a publicação de todos os dados

4-Privatização dos aeroportos






DILMA ONTEM: Contra a privatização
DILMA HOJE: A favor da privatização
O Brasil vive uma crise nos aeroportos que tende a piorar com a aproximação da Copa do Mundo de 2014 se nada for feito. A estrutura não suporta a demanda de passageiros e sucumbe a qualquer imprevisto técnico ou meteorológico. Faltam à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) recursos e, principalmente, eficiência para mudar a situação.
Mesmo assim, Dilma endossou durante a campanha eleitoral de 2010 a tese do ex-presidente Lula de que esse problema seria resolvido apenas com a injeção de recursos na Infraero, por meio da abertura de capital da empresa. Para colar a pecha de privatista no PSDB, Dilma não só descartou como demonizou a hipótese de privatizar os aeroportos.
Terá de pagar a língua. Diante da falta de recursos e de evidências de que a Infraero não daria conta do recado, Dilma anunciou no início de junho que transferirá a administração dos aeroportos ao setor privado. Pelo modelo, a estatal atuará em sociedade com as concessionárias, como sócia minoritária.

5-Proteção ambiental




DILMA ONTEM: A favor da flexibilização das regras para licenciamento ambiental
DILMA HOJE: Contra o afrouxamento das regras de proteção
A atuação de Dilma como ministra da Casa Civil foi determinante para o pedido de demissão da então titular do Meio Ambiente, Marina Silva, em agosto de 2009. As duas divergiam em tudo. Dilma pensava como desenvolvimentista. Marina, como ambientalista. A chefe da Casa Civil pressionou por metas menos ambiciosas de redução do desmatamento na Amazônia e pelo afrouxamento das regras para o licenciamento ambiental.
Enfraquecida, Marina decidiu deixar o governo Lula e o PT. Filiou-se ao PV e concorreu com Dilma à Presidência da República em 2010. Fora do segundo turno, a verde teve seu apoio disputado entre Dilma e o tucano José Serra. Antes de optar pela neutralidade, ouviu juras de amor ao meio ambiente por parte dos dois candidatos.
Eleita presidente, Dilma não esqueceu as promessas feitas a Marina. Com a votação iminente das mudanças no Código Florestal – para flexibilizar as regras de preservação –, encomendou um estudo aos ministros da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente sobre o assunto.
Com base no documento, Dilma opôs-se a dois pontos do projeto, do relator Aldo Rebelo (PCdoB): as pequenas propriedades seriam dispensadas de preservar 500 metros de mata ciliar em Áreas de Preservação Permanente (APP); e os produtores com terras de até quatro módulos fiscais seriam anistiados mesmo tento desmatado o terreno de forma ilegal.
Aflorava em Dilma uma inédita consciência ambiental – não só para agradar Marina, claro, mas para fazer uma boa imagem aos olhos da comunidade internacional.
Edinho Trajano, com Veja.






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